O objetivo do blog é divulgar os dispositivos alternativos na rede de Saúde Mental e propagar a ideia da luta antimanicomial. A partir da democratização da psiquiatria, os profissionais de saúde mental visam trabalhar de forma interdisciplinar no âmbito do novo contexto da psiquiatria renovada.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Mostra Memoria da Loucura - Retratos da história

Aos loucos, o Hospício! 



Refeitório do hospício de Pedro II

No Brasil, em 1830, não havia ainda tratamento para os doentes mentais: os ricos eram mantidos isolados em suas casas, longe dos olhares curiosos, enquanto os pobres perambulavam pelas ruas ou viviam trancafiados nos porões da Santa Casa da Misericórdia.
Nessa época, inspirados pelos ideais revolucionários franceses, Pinel e Esquirol propuseram novas formas de assistência à doença mental, que tinham, na existência da instituição manicomial, o próprio método de tratamento. Essas idéias contagiaram a recém-criada Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, que se mobilizou em torno do lema: "Aos loucos, o hospício!", pleito esse formulado, em 1839, pelo contundente relatório de José Clemente Pereira: "...Parece que entre nós a perda das faculdades mentais se acha qualificada como crime atroz pois é punida com a pena de prisão, que, pela natureza do cárcere onde se executa, se converte na de morte".
Sensibilizado por essas denúncias e impressionado com os gritos dos loucos vindos dos porões da Santa Casa, D. Pedro II assinou, em 1841, o decreto de criação do hospício que, por 40 anos, leva seu nome.

Palácio dos loucos 


Atêlie de costura do hospício de Pedro II

Em 18 de julho de 1841, foi assinado o decreto de fundação do primeiro hospício brasileiro, denominado Hospício de Pedro II, em homenagem ao príncipe regente que nesse mesmo dia foi sagrado e coroado como Imperador do Brasil.
Em 1852, na Praia Vermelha, em uma chácara afastada do centro da cidade, foram inaugurados o hospício e a magnífica estátua em mármore de Carrara do Imperador. Um aparato cerimonial marcou a solenidade, que se transformou em importante acontecimento no cenário político e social da época.
O edifício, construído com o dinheiro de subscrições públicas, planejado aos moldes de hospitais franceses, em estilo neoclássico, provido de espaços suntuosos e decoração de luxo, fica popularmente conhecido como o “Palácio dos Loucos”.
A amplidão dos espaços, a disciplina, o rigor moral, os passeios supervisionados, a separação por classes sociais e diagnósticos, e a constante vigilância do alienado, materializada arquitetonicamente como um panóptico (torre em forma de anel com um vigia), representam o nascedouro da psiquiatria no Brasil.

Aos pobres, o Trabalho 


O alienista Jefferson de Lemos 

Prontuários encontrados nos arquivos do antigo Hospício de Pedro II evidenciam a subdivisão de classes sociais que pauta, à época, os serviços de assistência aos doentes mentais do manicômio.
Pertenciam à primeira classe os indivíduos brancos, membros da Corte, fazendeiros e funcionários públicos; à segunda, os lavradores e serviçais domésticos; e à terceira, pessoas de baixa renda e escravos pertencentes a senhores importantes.
Existia ainda uma outra classe, mais numerosa que as anteriores, destinada aos marinheiros de navios mercantes, aos indigentes, principalmente os ex-escravos, e aos escravos de senhores que comprovadamente não tivessem recursos para a despesa do tratamento. Enquanto os pacientes de primeira e segunda classes viviam em quartos individuais ou duplos e se entretiam com pequenos trabalhos manuais, jogos e leitura, os de terceira e quarta trabalhavam na cozinha, manutenção, jardinagem e limpeza.
Paradoxalmente, os últimos recuperavam-se com mais facilidade que os primeiros, que, paralisados pelo ócio, perpetuavam-se na internação.
 
Superlotação e Caos 


Acervo do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional 


Em 1890, por meio do Decreto nº 142-A, o Hospício de Pedro II foi desanexado da Santa Casa da Misericórdia e passou a ser denominado Hospício Nacional de Alienados, recebendo cada vez mais pacientes, oriundos de todo o território nacional: loucos alguns, excluídos todos.

A superlotação se intensificou e, segundo alguns registros entre janeiro de 1890 e novembro de 1894, teriam sido internados no Hospício Nacional 3.201 pacientes. Nesse período, uma diversidade de críticas questionava o cotidiano e o modelo assistencial do hospício, o que originou uma série de publicações em revistas médicas por meio de crônicas, caricaturas, histórias em quadrinhos, sonetos e poesias satíricas.

A superlotação fez com que o atendimento se degradasse e as imponentes instalações ficassem precárias e descuidadas, iniciando uma história de decadência.
Os cinco anos que antecedem a passagem para o século XX são marcados pelo caos administrativo, o que resulta em grandes críticas de intelectuais da época.

Aos incuráveis, a Colônia 


Colônia de alienados, trabalho agrícola
Inauguradas em 1890, as colônias de alienados instaladas na Ilha do Governador – São Bento, localizada na Ponta do Galeão, e Conde de Mesquita localizada no antigo Convento de São Bento, ambas masculinas – representavam uma tentativa de resolver os problemas da superlotação e da mistura de pacientes curáveis e incuráveis em um mesmo estabelecimento. Os “incuráveis tranqüilos”, removidos para muito além do centro urbano, eram encarregados de trabalhos agrícolas e artesanais que compensavam a incapacidade das famílias de custearem o tratamento.
Juliano Moreira, em 1905, afirmava em sua monografia a importância do aumento de investimentos na assistência a alienados, e concordava que as colônias agrícolas representavam um excelente meio de recuperação. A reforma que propôs, trazia vantagens para os doentes e possibilitava economia para o Estado.

Camisa-de-Força



Durante mais de 50 anos, um dos recursos do tratamento psiquiátrico era utilizar uma camisa de lona resistente, com as mangas muito compridas e fechadas que eram amarradas firmemente, com cordões. Os braços e a parte superior do corpo ficavam amarrados às costas, impedindo movimentos violentos e deixando o paciente imobilizado e inofensivo. Este recurso amplamente usado nos hospitais brasileiros, não raro, era substituído por celas fortes, verdadeiras solitárias, onde o paciente permanecia até a remissão do seu surto. Esta prática perdeu sua importância com o advento dos neurolépticos e com as práticas de reabilitação psicossocial.
 
Panóptico

Corpo, palavra, poder, pilares da concepção da estrutura arquitetural em voga no século XIX, chamada "panóptico", espécie de torre construída no pátio de locais que abrigavam os excluídos da sociedade, possibilitando a permanente vigília e a severa disciplina.
Essa construção sinistra inspirou a criação de uma "máquina" de madeira com quatro metros de altura, na qual monitores de TV exibem inúmeros corpos partidos, que se fundem uns com os outros, formando um grande mosaico da saúde mental.
As imagens exibidas de cabeças, troncos e membros pertencem aos "loucos de todos os gêneros", aos psiquiatras, psicólogos e profissionais dos serviços de assistência da cidade do Rio de Janeiro. Foram vários meses conversando com as pessoas e conhecendo suas realidades.
Como resultado, uma infinidade de imagens fragmentadas, depoimentos recheados de paixão, sofrimento, alegrias. Corpos Santos, Corpos Torturados é uma instalação sobre histórias de vidas.

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