O objetivo do blog é divulgar os dispositivos alternativos na rede de Saúde Mental e propagar a ideia da luta antimanicomial. A partir da democratização da psiquiatria, os profissionais de saúde mental visam trabalhar de forma interdisciplinar no âmbito do novo contexto da psiquiatria renovada.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Mostra Memória da Loucura - Reforma Psiquiátrica

 Ilustração de Gilles Collette
Cuidar sim 

“O hospício é construído para controlar e reprimir os trabalhadores que perderam a capacidade de responder aos interesses capitalistas de produção.”
Franco Basaglia

Com as experiências e reflexões de Franco Basaglia no norte da Itália, o conceito de Reforma Psiquiátrica sofre uma radical transformação. Ao invés da reforma do hospital psiquiátrico como um espaço de reclusão e não de cuidado e terapêutica, postula-se a sua própria negação. Em outras palavras, enquanto espaço de mortificação, lugar zero das trocas sociais, o hospital psiquiátrico passa a ser denunciado como manicômio, que se pauta na tutela, na custódia e na gestão de seus internos.
Argumenta-se hoje que assim como a psiquiatria cria paradigmas tais como alienação, degeneração ou ainda doença mental e advoga uma incapacidade de juízo, de razão, de participação social do louco, ela constrói como projeto terapêutico nada mais que um espaço de exclusão: o manicômio.
Dessa forma, o ideal de uma Reforma Psiquiátrica, após Basaglia, seria uma sociedade sem manicômios, isto é, uma sociedade capaz de abrigar os loucos, os portadores de sofrimento mental, os diferentes, os divergentes...uma sociedade de inclusão e solidariedade!

Paulo Amarante


Excluir não 

No Brasil, o processo de substituição da internação psiquiátrica é iniciado em meados dos anos 80, portanto antes da vigência da Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001, com a criação dos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Essas unidades de saúde, contando com uma população local, oferecem cuidados intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar.
Funcionando como hospitais-dia, os CAPS prestam um serviço por períodos de 4 e de 8 horas, que inclui atendimentos individuais e em grupo; oficinas terapêuticas; visitas domiciliares; atendimento às famílias e atividades comunitárias.
As reformas da assistência em saúde mental, em várias partes do mundo, demonstram que redes de atenção em saúde mental de base comunitária representam uma abordagem eficaz para o tratamento e que há menos necessidade dos hospitais psiquiátricos tradicionais.
A Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas declarou que o tratamento das pessoas portadoras de transtornos mentais deve ser considerado um direito básico das mesmas, e que estas pessoas tem ainda de ser protegidas contra os perigos decorrentes dos processos de exclusão social a que muitas vezes se encontram submetidas.

Cuidar, sim 

A Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental, assegura os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, sem qualquer forma de discriminação; reconhece a responsabilidade do Estado para com a assistência aos portadores de transtornos mentais e extingue progressivamente os manicômios no Brasil.
A aprovação dessa lei antimanicomial é o resultado de uma luta árdua de inúmeros profissionais da área da saúde e da sociedade civil organizada.

Reforma Psiquiátrica 

A partir da promulgação da Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, o Brasil entrou para o grupo de países com uma legislação moderna e coerente com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e seu Escritório Regional para as Américas, a OPAS.

A Lei indica uma direção para a assistência psiquiátrica e estabelece uma gama de direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais; regulamenta as internações involuntárias, colocando-as sob supervisão do Ministério Público, órgão do Estado guardião dos direitos indisponíveis de todos os cidadãos brasileiros.

A Reforma Psiquiátrica é entendida como processo social complexo, que envolve a mudança na assistência de acordo com os novos pressupostos técnicos e éticos, a incorporação cultural desses valores e a convalidação jurídico-legal desta nova ordem.
A reestruturação da assistência, principal pilar da Reforma, contava desde 1990 com a Declaração de Caracas, documento norteador das políticas de Saúde Mental. Os três níveis gestores do Sistema Único de Saúde buscaram soluções efetivas para esta área, sustentados por vigoroso movimento social e com diretrizes pactuadas em duas conferências nacionais, de 1987 e 1992.

A partir da promulgação da Lei e da realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde Mental, em dezembro de 2001, o processo se acelera, mostrando vitalidade incontestável e resultados cada vez mais estimulantes. De acordo com dados da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde o quantitativo de leitos em hospitais psiquiátricos diminuiu de 85.037, em 1991 para 67.462, em 1996; enquanto a quantidade de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) aumentou de quatro para 154 no mesmo período. Em 2006, o Ministério da Saúde registrou a implantação do milésimo CAPS, em Fortaleza/CE.
O Relatório de Gestão da Coordenação-Geral de Saúde Mental de janeiro de 2007 aponta que o movimento de desospitalização dos portadores de transtornos mentais continua em curso. Entre 2002 e 2006 houve uma queda no quantitativo de leitos psiquiátricos de 51.393 para 39.567 e uma redução do percentual de internações psiquiátricas de 75,18% para 48,67%. Por outro lado, a quantidade de CAPS subiu de 424 para 1.000 e o índice dos atendimentos extra-hospitalares aumentou de 24,82% para 51,33%.
A mudança do modelo assistencial e a conseqüente inversão das prioridades de financiamento foram acompanhadas por um aumento global dos recursos financeiros destinados à saúde mental, que passaram de R$ 619 milhões em 2002, para R$ 891 milhões em 2006.
O processo de mudança na assistência só terá sustentação se os portadores de transtornos mentais, cuidados adequadamente, não forem excluídos da comunidade em que vivem ou não se tornarem um fardo para seus familiares. Desde 2004 existem políticas do Ministério da Saúde e da Secretaria de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho voltadas para inserção social por meio de programas de geração de renda, que já computou 300 experiências nesse sentido.

Dentre os desafios da Reforma há consenso sobre a necessidade da sociedade conviver de forma mais harmônica com os diferentes e o reconhecimento das potencialidades dessas pessoas, que não estão à margem do projeto de Nação, que têm capacidade de trabalhar e de produzir. Nos últimos anos, tem ocorrido a valorização, por mérito, de diversas expressões culturais e artísticas de portadores de transtornos mentais. Em todo o país, é possível encontrar artistas usuários de serviços de Saúde Mental produzindo, pintando, gravando, escrevendo, expondo e se expondo, orgulhosos de seus dons e valores. Comercializam telas, livros e CD's, o que é, provavelmente, uma segura manifestação de cidadania e pertencimento a esse mundo do mercado que compra e vende arte.
Infelizmente a sociedade ainda está longe do consenso sobre essas práticas e valores, mas não há como negar que essa é uma tendência que vem se tornando hegemônica.


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